Close Menu

Busque por Palavra Chave

Entrevista | Diego Barbiero fala da força do Gaeco e discorre sobre investigações de crimes envolvendo dinheiro público

Por: Marcos Schettini
19/07/2022 15:30 - Atualizado em 19/07/2022 15:31
Axe Schettini/Lê Notícias

Promotor de Justiça com vasta atuação na investigação de crimes contra o patrimônio público, Diego Barbiero tem tido ainda maior notoriedade após assumir o cargo de coordenador do Núcleo Regional do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), em Chapecó. Estudioso, observa atentamente como ocorrem as mexidas que, de alguma forma, beneficiam gestores públicos e empresários quando há desvio de dinheiro público.

Atuando ainda na Promotoria da Moralidade Administrativa da Comarca de Chapecó, desempenha com pulso firme as ações que buscam garantir mais transparência e lisura moral nas questões que envolvem políticos da região.

Em entrevista exclusiva concedida ao jornalista Marcos Schettini, o promotor Barbiero falou do papel do Ministério Publico e rebateu a tese de que a instituição persegue prefeitos, afirmando que há muitas dificuldades nas investigações onde o objeto principal é o dinheiro do contribuinte. “Os crimes contra a administração pública e os atos de improbidade administrativa, em geral, derivam de ações arquitetadas”, afirma.

Autor do livro “Implantação de Malwares em Investigações Complexas”, que fala sobre uma alternativa jurídica para obtenção de chancela judicial à utilização de malwares em investigações como forma de acompanhar as atividades ilícitas praticadas por organizações criminosas, foi chamado para atuar no Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília, onde aprofundou estudos e contribuiu no desempenho de demais promotores Brasil afora. Confira:


Marcos Schettini: O Ministério Público não é uma instituição muito perseguidora dos prefeitos?

Diego Barbiero: O Ministério Público é a instituição que tem a missão constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Essa missão engloba o dever de defender a sociedade, promovendo ações de responsabilização, desde o ladrão de objetos em uma mercearia até o gestor que incorpora dinheiro público ao seu patrimônio.

A grande dificuldade na defesa do patrimônio público, e que às vezes dá lugar para a utilização do discurso da perseguição, é que a atividade de provar uma infração que resulte em desvio de dinheiro público é muito mais complexa do que em crimes comuns, como furto e roubo, por exemplo.

Veja: quando uma casa é assaltada, o dono da residência é interessado em descobrir o autor do crime. Ele contribui ativamente com a investigação fornecendo dados e pistas. E quando ocorre uma fraude a uma licitação, quem é a vítima imediata? A sociedade é a vítima, com certeza. Mas quem, na sociedade, conseguirá auxiliar na investigação? Os crimes contra a administração pública e os atos de improbidade administrativa, em geral, derivam de ações arquitetadas. Logo, a complexa e difícil missão probatória, por vezes, resulta na não comprovação indubitável do crime ou do ato de improbidade – motivando absolvições pelo benefício da dúvida.

Há, também, a natural simpatia da população em relação à prefeita ou ao prefeito de uma cidade – e nem poderia ser diferente! Afinal, a maioria da população, por meio do voto, escolheu-a (o) para administrar o município. Esse fator, quando utilizado para sustentar um discurso de perseguição, pode levar a população a concluir, de forma superficial, que há a dita perseguição. Mas a única coisa que a instituição persegue, na sua essência, é justamente a defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade, independentemente de quem seja o possível autor do crime.

Schettini: Qual a diferença da atuação do MP e do Gaeco?

Barbiero: O Gaeco é uma força-tarefa integrada por diferentes instituições. Em Santa Catarina, fazem parte do Gaeco: o Ministério Público, que exerce a coordenação da força-tarefa, a Polícia Civil, a Polícia Militar, a Polícia Penal, a Secretaria da Fazenda, os Bombeiros Militares e a Polícia Rodoviária Federal. Essa força-tarefa atua sempre em apoio às investigações quando houver necessidade de uma atuação especializada e voltada à identificação, prevenção e repressão às organizações criminosas, à macrocriminalidade, às infrações penais em meios virtuais e de informática e aos delitos de maior complexidade, sofisticação no seu processo de organização e execução, ou relevância social. Qualquer integrante do Ministério Público pode promover investigações criminais isoladamente ou em conjunto com a Polícia Civil local, por exemplo; porém, quando houver essa necessidade de atuação especializada, pode-se solicitar o apoio do Gaeco.


Schettini: O setor público, mais precisamente as prefeituras, não é muito complexo para administrar? Há muita perseguição?

Barbiero: Embora seja usual ouvirmos discursos pessimistas em relação ao setor público, vejo que estamos avançando em direção à eficiência da gestão administrativa. Em muitos lugares, Schettini, a prefeitura é a maior “empregadora” do município – e isso tende a acirrar a disputa eleitoral, nos municípios menores, de forma mais intensa do que se vê em grandes centros urbanos. Assim, como em uma empresa, o gestor de uma prefeitura precisa desenvolver atributos de liderança para conseguir motivar a equipe e alcançar resultados que reverterão em benefício da população que o elegeu. Quando, infelizmente, essa habilidade não é desenvolvida, tende-se a optar pelo caminho abreviado do conflito. Mas volto a dizer: olhando um contexto amplo, não o resumindo a poucos anos de análise, vejo que muitos gestores têm se interessado em evoluir em gestão administrativa e de pessoal, deixando as perseguições pessoais e os assédios morais no passado.


Schettini: Que trabalho de acompanhamento que o MP tem que fazer para evitar a corrupção?

Barbiero: Evitar a corrupção é uma ação que ultrapassa a atuação do Ministério Público, Schettini. A corrupção só será evitada quando a sociedade desenvolver, coletivamente, um patamar ético que abomine esta nefasta prática. Porém, o Ministério Público tem buscado, a cada ano com mais intensidade, promover ações que minimizem a probabilidade da corrupção se tornar endêmica. Exemplos de ações nesse sentido foram as que buscaram dotar de transparência as administrações municipais (possibilitando o acompanhamento das compras públicas por qualquer cidadão), que buscaram introduzir efetivos sistemas de controle interno dentro de cada município e de cada Câmara, e, é claro, ações de responsabilização cível e criminal movidas contra agentes públicos que tenham praticado atos de corrupção. Aliás, nesse ponto, sob a gestão do procurador-geral de Justiça, Dr. Fernando da Silva Comin, o GEAC (Grupo Especial Anticorrupção do Ministério Público) foi regionalizado, passando a atuar junto com os Gaecos em cada núcleo regional. Essa medida fortaleceu ainda mais a investigação de crimes contra a administração pública praticados por prefeitos, já que a Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, na pessoa do procurador de Justiça Dr. Fábio de Souza Trajano, também passou a atuar conjuntamente aos GEACs e Gaecos regionais, priorizando a eficiência investigativa. O resultado dessa atuação pode ser visto pelas recentes operações coordenadas pelo Ministério Público de Santa Catarina em defesa do patrimônio público e da probidade administrativa.


Schettini: Quando empresas visitam o prefeito e pedem aberturas para a edificação de seus negócios, o que ocorre neste momento?

Barbiero: Volto a afirmar que sou um otimista. Além das leis que procuraram dotar a gestão pública de transparência e possibilitar o controle social, tivemos, em 2013, a aprovação da chamada “lei anticorrupção empresarial”. Essa lei volta os olhos às empresas justamente porque quem produz riquezas é o setor privado. Logo, se o setor privado resolver dar um basta à corrupção, ela tenderá a não mais existir. Isso não quer dizer, de forma alguma, que o prefeito não pode receber o empresário. Muito pelo contrário! Dentro da legalidade, o gestor pode – e deve! – atender às demandas do setor produtivo para, assim, possibilitar a criação ou a manutenção de empregos aos seus cidadãos, o desenvolvimento das atividades econômicas e, consequentemente, o incremento da arrecadação tributária – que, ao final do processo, possibilitará a obtenção de maiores recursos para aplicação em benefício da sociedade.


Schettini: O senhor acredita na democracia? Ela vai sair forte de outubro?

Barbiero: Nossa Constituição, que no próximo ano completará 35 anos de existência, define a democracia como nosso regime político. Foi essa democracia que, ao longo dessas três décadas, forjou instituições que hoje atuam em sua defesa. É claro que, como em qualquer país que permite a liberdade de expressão, excessos de linguagem podem acontecer, e devemos estar atentos a todas as falas que afrontem a dignidade e os valores que nos tornam humanos, a fim de provocar a responsabilização pelos excessos quando essas falas violarem as leis que regem nossa vida em sociedade. E justamente por crer na solidificação das instituições que temos, hoje, no Brasil, é que podemos acreditar na democracia e no seu fortalecimento ano a ano, nos poderes da República (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, independentes e harmônicos entre si) e em seus representantes, assim como na defesa sistêmica de qualquer ato que venha a atentar contra os princípios da nação.


Schettini: O crime organizado não é infinitamente mais forte ao se modificar o suficiente para fugir da investigação?

Barbiero: De forma alguma. A força do Estado é e sempre será maior. É claro que a comparação pontual, em situações específicas, pode levar a uma falsa conclusão de que a criminalidade tem mais força. Isso acontece porque os parâmetros de atuação do Estado e da criminalidade organizada são infinitamente distintos. O objetivo de um grupo criminoso é a obtenção de ganhos ilícitos, independentemente do caminho que percorra para atingir essa finalidade. O objetivo do Estado é evitar a prática de crimes e responsabilizar os que mesmo assim os praticam. Porém, para os agentes de segurança, o caminho percorrido para chegar à responsabilização é tão importante quanto a responsabilização em si – afinal, uma das garantias individuais preconizadas pela constituição é a presunção de inocência. E mesmo que os grupos criminosos alterem o modo de execução dos delitos, as forças de segurança continuam sendo exitosas na prevenção e na repressão aos crimes, pois a capacidade de adaptação de suas atuações, à luz das leis vigentes, também é uma das virtudes das polícias e do Ministério Público. Prova disso é a recente criação do Cyber Gaeco no MPSC, unidade especializada em investigações de crimes cibernéticos.


Schettini: O que é eleição presidencial? Cidadania ou assistencialismo?

Barbiero: O ápice da participação popular, em uma República presidencialista, é a escolha do chefe máximo do Poder Executivo por meio do voto de cada cidadão. É a própria soberania nacional que se exercita pelo voto. O exercício desse poder desperta paixões nas pessoas, que, em algumas situações, escolhem o representante que desejam unicamente por afeição ou simpatia, sem analisar eventual plano de governo ou linha de atuação. E não há nada de errado nisso! Porém, há situações em que, sabedores desse poder, algumas pessoas o utilizam em troca de benefícios próprios. E, infelizmente, quando a corrupção eleitoral atinge uma parcela significativa do eleitorado, o abuso do poder político ou do poder econômico pode afetar o resultado da eleição. Quem vê, assim, as eleições como oportunidade de obtenção de benefícios próprios, malversa o desempenho de seu poder e contribui para a longevidade da corrupção em nossa política.

Semasa Itajaí
Alesc - Novembro
Unochapecó
Rech Mobile
Publicações Legais Mobile

Fundado em 06 de Maio de 2010

EDITOR-CHEFE
Marcos Schettini

Redação Chapecó

Rua São João, 72-D, Centro

Redação Xaxim

AV. Plínio Arlindo de Nês, 1105, Sala, 202, Centro